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Passou-se mais de um mês e não me deu para escrever. O espírito humano, seja lá isso o que for, tem destas coisas: ora se entusiama, ora se aborrece, alternando de tarefa em tarefa, pairando sobre as águas, sem método nem fito. Aqui fica o alerta para os que pensam o descendente do 'homo sapiens', este animal moribundo numa natureza em estertor: não esquecer de emular estas características paradoxais do "espírito" humano nas futuras máquinas humanóides, o 'homo ex machina', que o irão perpetuar nas silenciosas poeiras cósmicas.

Mas, como dizia, trocou-se a vontade de escrever pela de caminhar, havia que aproveitar o colorido outonal dos arvoredos da Nova Inglaterra, que se começava a pintar folha a folha, e o tempo soberbo de final de Verão que era muito mais do que uns trocados em fim de viagem.

O pólo das minhas atracções era quase sempre, a sul de Boston, o bairro de Jamaica Plain, um dos 21 bairros (neighborhoods) de Boston, a que chegava caminhando ao longo do Colar Esmeralda, a faixa verde que liga os parques mais antigos da cidade. O destino preferido era o Arnold Arboretum, o extenso jardim botânico cuidado pela Harvard University. Mochila às costas e máquina sempre à mão, calcorreei as estradas e caminhos, que se espalham como veios na folha de uma árvore, e subi às colinas, para avistar a extensão do parque, lobrigar ao longe o edificado do centro de Boston em que pontificam as torres Hancock e Prudential, e puxar do farnel que despachava com justificada avidez. Depois, a sesta ao sol, com o chapéu a proteger os olhos, a passarada a trinar. Separava a luz das trevas, e via que era bom. No fim, apanhava o metro para Cambridge, com escuro fora e um insaciável apetite dentro.

 

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Um dia fui com a Graça a Framingham, conduzidos pela Pat. A viagem foi longa, com filas intermináveis de trânsito, com paragem para almoço fora de horas num restaurante chinês que para ali havia. Chegámos tarde ao Garden in the Woods que explorámos convenientemente apesar da escassez do tempo da visita.

Passeei em Cambridge, geralmente à volta da Harvard University e do MIT, ou ficava-me pela margem do Charles e no Mall onde fazia compras. Do lado de lá, em Boston, continuava a preferir o Charles, em particular a sua Esplanade, onde eu e a Graça nos espraiámos nas cadeirinhas do cais, embora a zona antiga, do Common Park ao Haymarket, com compras, visitas ao centro histórico e uma perninha ao Legal Sea Foods, fosse um pólo de constante atracção. É difícil dizer o que é melhor quando tudo é bom. E dito por mim, que não sou homem de cidades, é um elogio insuspeito.

 

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O regresso à Europa foi doloroso: a chateza da viagem, a desorientação temporal que se prolongou por mais de uma semana, o reaparecimento das mazelas do corpo, a imensidão de actividades e assuntos a retomar, o não saber por onde recomeçar, os males dos outros, os deveres sociais para com a família e alguns amigos, o não saber o que fazer, a inércia, a desorientação e a inépcia.

Precisava de tarefas sedentárias e rotineiras e decidi-me por um objectivo que acalentava há muito, o de suprimir dois 'sites' da internet, o Portal das Angiospérmicas e o Visitas a Jardins, fundindo os três num único, o Sítio do Tremontelo, este em que me encontro a escrever este postal. Isto demora quase há um mês e não sei quando vai acabar, pois há ainda muitos problemas para resolver e outros, insolúveis, para ultrapassar.

O pior deles, o bem mais precioso de um sítio electrónico, o número incontável (centenas?, milhares?) de hiperligações (links) que levaram anos a construir e se perderam num dia. Não será isso uma metáfora do cérebro? Ou da chamada "condição humana"?

A vida é assim, como um rio impetuoso que não sabe para onde vai, só sabe que tem que continuar.


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