A aparição

in O Tremontelo

14 de março de 2006

posted by Perdido@ 1:18

 

Aqui há tempos, estava a floresta orlada de brancas rosas bravas: a Nascente, as roseiras cobriam a vegetação cerrada dos sobreiros e dos carvalhos; a Poente, a vegetação rala das oliveiras.

Nascia o Sol a querer derreter o manto níveo perfumado e, já cansado o travesso, derramava, do outro lado do campo, uma pálida áurea poalha de luz sobre a olívea brancura. No centro, um frondoso espinheiro alvar (Crataegus oxyacanthia) erigia-se majestoso, em pleno desabrochar da flor que, com a sua brancura refulgente, lhe dá parte do nome. A outra parte vem-lhe dos espinhos de que, segunda a lenda, foi tecida a coroa de Jesus de Nazaré com a qual foi entronizado rei dos judeus.

O espinheiro alvar floresce em Maio e, a partir dos finais de Junho, no coração do verão, cobre-se da sua típica baga escarlate que atrai e endoidece a pipilante passarada. Diz quem estuda esta árvore mágica que as suas folhas, flores e bagas contêm uma variedade de bioflavonóides, como as prociamidinas oligoméricas, a vitexina, a quercetina e hiperósidos responsáveis pela sua acção benéfica sobre um vasto leque de problemas cardiovasculares, como a angina de peito, a aterosclerose, a insuficiência cardíaca e a hipertensão.

Lembro-me bem do dia em que foi, cujo ordinal associa a crendice ao azar. Estava, hipnotizado, a contemplar a copa florida do espinheiro rendilhada sobre o azul do céu. O Sol parecia-se com um disco de prata a fazer io-io sobre o espinheiro. Foi quando vi, na sua sombra, uma virgem.

E eu perguntei-lhe imediatamente se ela era virgem, só para confirmar, não fosse eu deixar-me levar pelas primeiras impressões. De facto, o seu rosto era de uma beleza não descritível por palavras humanas, mas com certeza de uma beleza que transcendia os limites da beleza humana. Uma pele e umas feições tão sem mácula que jamais poderiam ter sido tocadas por uma mão varonil. Um busto perfeito, cintura adelgaçada, ancas roliças e enxutas. Sem falsa modéstia e com ar seguro me asseverou que sim e que estivesse tranquilo: era virgem.

Algo se me afigurou inusitado naquela configuração. Uma virgem não pode aparecer debaixo de uma árvore. Perguntei-lhe, já que ela manifestava-se empenhada em responder às minhas perguntas: "ó virgem, porque é que não apareces antes na copa do espinheiro?". E ela respondeu-me com aquele sorrisinho virginal: " ó filho, se assim fosse não ganhava para o trabalho. Pousam aqui diariamente todo o tipo de aves e, não se sabe, alguma é portadora do virus ... Olha se me pico num espinho infectado?". A conversa não tinha grande lógica, nem parecia apropriada para o começo de uma aparição. Esqueci isso, e entabulei uma conversa sobre aparições seguras sob a copa do espinheiro.

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